domingo, junho 22

Seção TOP 5 - nº 3

TOP 5
Nº 3


5 FILMES PREDILETOS

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EDER FERNANDES


1 - TOURO INDOMÁVEL(Raging Bull, EUA)
Só Deus sabe o quanto este filme me comove.

2 - APOCALYPSE NOW (Apocalypse Now, EUA)
O vi, salvo engano, cinco ou seis vezes. Pouco ainda.

3 - OITO E MEIO (8 ½, Itália)
Tipo de filme que é muito bom para não constar em minha lista.

4 - BLOWUP - DEPOIS DAQUELE BEIJO (Blowup, ITÁLIA/UK)
Um filme pedagógico. Bem ao estilo "para entender o cinema".

5 - TAXI DRIVER(Taxi Driver, EUA)

Assim como Raging Bull, sei algumas falas de cor. Assim como Raging Bull, o vi algumas dezenas de vezes. Obra inesgotável.

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DANIEL OLIVEIRA

1 - 2001: UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO (2001: A Space Odissey, EUA)
Foram precisos 1968 anos da era cristã para se realizar esta obra. Provavelmente a criação de algo à altura só será pensável a partir do ano de 3936. Não estou reclamando.

2 - RASTROS DE ÓDIO (The Searchers, EUA)
Quando os sociólogos e antropólogos vierem lhe dizer que gênios não existem, você tem duas opções: ou você os faz escutar a 9ª de Beethoven, ou lhes mostra Rastros de Ódio, de John Ford.

3 - O PIANO(The Piano, AUSTRÁLIA/EUA)

Jô Soares, um cinqüentão, afirma ter assistido Cidadão Kane mais de 30 vezes. Sou bem mais jovem que Jô e só assisti a O Piano umas 13 vezes – pretendo chegar aos 100. A 1ª vez foi num longínquo trabalho de escola. A 2ª, vista numa fase menos apalermada, foi para alimentar a fome cinéfila. As outras 11 foram por causa de Holly Hunter. E as próximas 87 também serão.

4 - O HOMEM QUE COPIAVA (BRASIL)

O primeiro filme que eu admirei passionalmente de fato.

5 - A NOITE (La Notte, ITÁLIA)

Minha primeira grande experiência intelectualóide do audiovisual.


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DAVI LARA

1 - CONDENAÇÃO (Kárhozat, HUNGRIA)

A cena inicial sintetiza muito do que vem depois e é a minha cena predileta do cinema; a lassidão, a fumaça do cigarro, o preto em branco. Muito mais que o argumento propriamente dito, o distinto em Condenação é a sua atmosfera, opressora, daninha. O filme atinge o ápice nas cenas mais misteriosas como o confronto do homem com o cão ou o sapateador solitário e inadequado. Não sei dizer exatamente porque o primeiro lugar, mas nunca titubeei.

2 - AMOR À FLOR DA PELE (Fa yeung nin wa, HONG KONG)

Lembro-me da cena na qual os cabelos da moça voam enquanto corre uma escada acima com uma tigela de macarrão. Lembro-me do vapor que as panelas que cozinham o macarrão libaram quando destampadas. Lembro-me da estampa do papel de parede da casa da moça. Lembro-me também do ambiente monótono do apartamento vizinho. Lembro-me de inúmeros detalhes, de inúmeras sensações. O que me escapa à memória não desabilita uma das mais intensas experiências cinematográficas que tive. Ao contrário: ressalta sua importância.

3 - GRITOS E SUSSURROS (Viskningar och Rop, SUÉCIA)

Algum filme de Bergman teria que entrar em meu TOP 5. De acordo com minha preferência pela concisão e pela poesia, Gritos e Sussurros é a escolha inevitável.

4 - KRAMER VS KRAMER(Kramer Vs Kramer, EUA)

Este filme não entraria nesta lista se eu não o tivesse re-assistido por acaso há poucos dias. As atuações são impressionantes (destaque para Dustin Hoffman e Meryl Streep) e toda a delicadeza com que aborda o tema faz-nos penetrar no mundo alheio. Poucos filmes conseguiram grau tão elevado de sinceridade. Mesmo consciente da sua singeleza, é difícil ficar aparte. Talvez esta mesma simplicidade seja uma das características principais.

5 - 2001: UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO (2001: A Space Odissey, EUA)

Todos que conhecem minhas preferências se espantarão com falta de Kurosawa ou de Lynch neste TOP 5. Assim como o envolvimento parcial com o quarto lugar foi preponderante, uma avaliação refletida não me deixa escolha quanto à quinta colocação. Impossível negligenciar a perfeição atingida por 2001.


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RODRIGO L.

1 - O PODEROSO CHEFÃO (The Godfather, EUA)

Coppola faz da máfia uma arte. Há qualquer coisa de Grécia, de Roma nas intrigas e reviravoltas dos Corleone - momento raro em que me permito a apreciação do pendor para o Gigante em películas. Talvez a continuação, de fato, seja superior (por ser mais ampla) - mas está nesta primeira fita todo um impacto que jamais poderá se repetir.

2 - OS INCOMPREENDIDOS (Les 400 Coups, FRANÇA)

Jules et Jim melhora a cada sessão que me imponho, mas, ainda que repetido infinitas vezes, jamais alcançará o nível de Os Incompreendidos - sei, apenas, que Doinel é o maior sofredor do cinema: ao fim da película, nem eu, que me compadeço de sua situação, consigo compreender o seu olhar perdido.

3 - TAXI DRIVER (Taxi Driver, EUA)

Um filme em que toda cena é pensada para ser clássica e, mais do que isso, perturbadora. A sordidez de NY e de Travis Bickler se encontram e travam duelos aos quais ninguém passa imune.

4 - A NOITE (La Notte, ITÁLIA)

O máximo de sobriedade na câmera. O máximo de inteligência e concisão nos diálogos. Como não bastasse, atua um trio do qual Antonioni consegue tirar também o máximo: Mastroianni, Moreau e Vitti encenam a mais contundente e elegante crise de relacionamento do cinema.

5 - OITO E MEIO (8 1/2, ITÁLIA)

Sobre a sua memória, Guido confronta, cheio de dor e ironia, a eterna e incontornável questão: até que ponto vida e obra convivem harmoniosamente? Fellini produz, com a maestria que lhe é típica, a mais bem acabada representação cinematográfica do artista - falhado, egocêntrico, vaidoso e compassivo, Guido sai das telas direto para as antologias.

domingo, junho 15

Seção UM CONTO! - nº 2

2ª Seção UM CONTO!

15/06/2008


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1) YVETTE, Guy de Maupassant
por Davi Lara

Falar de contos e não falar de Maupassant é imperdoável. Todo manual literário que se debruce sobre as potencialidades da narrativa curta parece descrever a obra de Maupassant - talvez o façam. É um dos escritores exemplares, um dos gigantes que sombreiam tudo que se aproxime. Não me lembro quando ele se tornou o meu predileto; creio que quando nasci. Tanta propensão me advertiu, tentei não gostar dele - obviamente, falhei.

Descrever o estilo de Maupassant é discorrer sobre a concisão. É um trabalho obsessivo onde busca-se manter somente o necessário. É um trabalho intelectual, pois é preciso uma compreensão parcial da história para saber o que é gratuito, eleger o que é imprescindível. As escolhas de Maupassant são marcadas pela aspereza com que trata suas letras e as suas personagens. Com inclinação para as pessoas ordinárias e marginais, as vítimas das circunstâncias, que não têm para contar nem a si próprias. Mas é o caráter excepcional de Yvette que o faz se destacar entre tantas narrativas curtas monumentais.

A começar pela sua extensão, bastante longo, Yvette é mais adequadamente classificado como um conto-novela (pode-se observar que, mesmo com muitas páginas, a concisão de seu estilo, de aproveitar tudo o que esta escrito, em suas novelas, as aproximam do conto). A perspectiva do olhar sobre a vida mundana é um ponto de distinção, dos mais importantes. O sub-mundo das prostitutas e jogadores, ao se opor à mediocridade, é enaltecido como uma opção legítima. Mas sem incidir numa visão fantasiosa, ao contrário, não falta a ironia.

Mas o que se distingue, é Yvette, a personagem título, filha de uma cortesã e, em muitos aspectos, sua oposição. A mãe ostenta uma cabeleira negra, olhos sugestivos e um buço discreto sobre os lábios; ela, loura, jovem e virgem. É bonito ver como Maupassant estrutura essa personagem. Dividido em quatro partes, somente na terceira parte é explicitada a personalidade de Yvette, anteriormente apenas sugerida. Uma quase tragédia, Yvette é uma história sobre a inocência. Maupassant, que nunca absolve a suas criaturas, nos dá a oportunidade de o ver relativizar a corrupção e, por conseguinte, acreditar na inocência.




2) A DAMA DE ESPADAS, Aleksandr Púchkin
por Daniel Oliveira


Se Tolstói tem o seu A Morte de Ivan Ilitch e Tchekhov tem Enfermaria nº6, Aleksandr Púchkin é o autor de A Dama de Espadas, o conto-novela em questão. Para compreender a importância deste gênio russo, só mesmo comparando-o a um Poe, um Dante ou um Shakespeare; Púchkin foi o pai da literatura russa moderna, e, escrevendo romances, contos, poesia e poemas épicos, influenciou todas as gerações posteriores, dando origens a mestres como Tolstói, Turguêniev ou Maiakóvski. Fica até difícil decidir em qual área sua habilidade beira à perfeição: se na prosa ou no verso.

Segundo Boris Schnaiderman (um exímio tradutor, diga-se de passagem), A Dama de Espadas “lembra muito os contos de E.T.A. Hoffman”; com efeito, de acordo com as minhas leituras de apenas 3 contos do escritor alemão, devo concordar com essa afirmação: o tom sinistro só é desmembrado no meio do conto; mas, a partir daí, não o abandona mais. Os dois contistas, no entanto, se tornam discrepantes quando percebemos a textura cômica de Púchkin: neste conto não é difícil notar a pena ferina do autor, mesmo que aí contenha, ainda segundo Schnaiderman, “rasgos e inspirações para o tema central de Crime e Castigo”.

Ao ler Púchkin e Tchekhov traduzidos pela mesma pessoa, acabei lendo 3 livros. De fato, quem procura descobrir as influências de Púchkin em Tchekhov facilmente as encontrará; se a tradução poética já é quase intolerável, a tradução de prosa acaba gerando um sub-estilo oriundo de um “autor fantasma” que escreveu sobre o manuscrito original. A grande diferença entre os dois é a já conhecida maestria do segundo em levar ao ápice o poder de sugestão. Além disso, devo dizer que, geralmente, enquanto as implicações cômicas de Púchkin partem de idéias, as de Tchekhov, quando existem, provém dos fatos em si.

O enredo de A Dama de Espadas é o seguinte: um sujeito, após ouvir a história sobre uma senhora que sempre advinha as cartas no jogo, resolve ir atrás desta para ver se a afortunada lhe revela o segredo. Não direi mais nada: só pela primeira frase desse post já vale a leitura. O máximo que posso fazer é mais uma vez deixar registrada aqui a minha profunda admiração por Boris Schnaiderman, este honorável brasileiro.


3) CANTOS, Antonio di Benedetto
por Rodrigo L.

Benedetto é o que está de braços cruzados.


Antonio di Benedetto me parece ser a mais nova descoberta e aposta do mercado editorial brasileiro. Novos romances e coletâneas de contos seus surgem nas livrarias a cada mês. Considero uma atitude justa: a produção do autor argentino é digna das mais altas prateleiras da literatura hispano-americana. Cantos, presente nos seus Cuentos del Exilio (inédito no Brasil), representa bem a sua arte: o estilo peculiar, difícil de ser enquadrado nos termos correntes da literatura argentina, é quase cinematográfico (veloz, altamente descritivo e de aparente simplicidade) e o tema (concentrado na impossibilidade de realização e na amargura que disso se alimenta) são paradigmas presentes em quase toda a sua produção.

Trato de ilustrar: leiam Cantos e lá perceberão, de imediato, a concisão da frase inicial - que descreve um amor ingrato que não prosperou - e a forma abrupta com que, já no segundo parágrafo, os amantes arrependidos se reencontram. Mais oito curtos parágrafos e todo o passado deles é discutido, rememorado por meio de sentenças igualmente curtas e, enfim, a mulher tem seu corpo destroçado por um ônibus.

O seu pendor e a sua perícia para a construção e a descrição de imagens surge na seqüência, ao descrever o rosto "bastardo" com que a jovem senhora ficara após o acidente - irreconhecível, "já não era ela". Ao final, ao confessar que ainda a busca, assinala a condição desditosa de todo ex-amante: arrepender-se, procurar pela imagem que tinha do velho amor e que, a partir do momento em que se dá a separação, morre – atropelada por um ônibus ou apenas afastando-se irremediavelmente pelas calçadas.

Clique aqui para ler o conto.



4) DISSOLUÇÃO, Mayrant Gallo
por Eder Fernandes

Em algum momento da conversa de ontem, quando eu e mais dois amigos estávamos trocando opiniões sobre alguns escritores baianos contemporâneos, o nome de Mayrant Gallo foi citado. "Mayrant é um bom professor, ele sabe fazer a coisa. Os cursos que ele ministrou aqui na UEFS foram muito bons. Um foi sobre o conto policial. Muito bom! Ele sabe mesmo como funciona o mecanismo do conto", disse um amigo. O outro, quase o interrompendo, indagou: "Mas por que é que ele não consegue levar esse conhecimento para os contos dele?" A resposta veio seca e inapelável: "Talento. Falta talento". Eu, que estivera calado, apenas reiterei a resposta com a cabeça. E sim, falta-lhe algum talento.

O conto Dissolução, do livro O Inédito de Kafka (2003), ilustra bem essa deficiência de Mayrant, a de não saber pôr em prática seu suposto conhecimento sobre narrativas curtas. Diz-se em todos manuais sobre o conto que este tem que começar muito bem, evitar floreios e digressões que prejudiquem sua agilidade. O conto é essencialmente ágil. Pois bem, não é o caso de seguir manuais, é óbvio, mas o bom começo é uma obrigação primária — qual é o conto de Poe que começa mal? Nesse ponto digo que Dissolução não começa bem. Divagações desnecessárias o prejudicam. Leiam e depois venham concordar comigo. Ele, Mayrant, poderia muito bem cortar os dois parágrafos iniciais.

É bom se dizer que, com um mau começo, ler a página seguinte é uma enorme besteira. Mas eu o fiz. Os erros de composição se atropelam, a ponto de alguns serem rasteiros, como aquele erro mais atribuído ao escritor iniciante, o de se confundir com o personagem que está narrando a estória. Exemplo. O personagem de Dissolução, pelo que se percebe, um burocrata (mal pago ou bem pago, isso não importa) anda pelas ruas de Salvador e pensa em Gregório de Matos, de como o poeta supostamente sentiu asco daquelas ruas. Vá lá que um burocrata mediano leia Gregório de Matos, e até goste dele a ponto de evocá-lo num momento grave de sua existência, como ocorre no conto. Isso, contudo, não é bem encaixado, e a citação soa muito mais como de Mayrant, o autor. Há outros elementos que aparecem e ficam soltos na narrativa. Como, por exemplo, “o espelho”. A todo momento o personagem se refere a um espelho que precisa ter, só que não há uma explicação coerente para isto. Não coerente no sentido óbvio, mas coerente com a estrutura, com o enredo do conto. Não há, e se há não ficou claro a mim, ao menos.

Como a idéia desta seção é primeiramente a da sugestão (sugerir um conto, um autor, uma idéia sobre um conto), não me compete analisar todos os aspectos de Dissolução, e nem, como alguém poderá dizer, fundamentar minhas críticas, porque elas são apenas frutos da minha experiência como leitor. Portanto, leiam Mayrant Gallo e concordem comigo ou não. Pois como bem disse meu amigo Rodrigo L., "gosto não se discute, se lastima".