terça-feira, abril 1

Seção DESMITIFICANDO Nº 1

DESMITIFICANDO nº1

01/04/2008

DARREN ARONOFSKY: MARCHA FÚNEBRE PARA UM PESADELO.

por Daniel Oliveira



Eu estava me perguntando se seria interessante escrever sobre o filme Réquiem para um Sonho, de Darren Aronofsky. Na verdade, pensei em escrever sobre algum dos três filmes que mais me intrigam na história do cinema. Filmes que fazem sucesso de público e crítica e aparecem em prestigiosas listas de melhores obras, mas que não possuem, a meu ver, qualidade para tal. Existem vários, decerto, mas esses três em particular merecem atenção: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Lanternas Vermelhas e Cinema Paradiso. Fico angustiado quando leio críticas sobre Lanternas Vermelhas, nas quais os entendidos elogiam as “cores” do filme e atentam para o fato do marido garanhão não ter seu rosto revelado, como se essa superficialidade fosse algo genial. Um torpor me invade o espírito quando leio sobre Amélie Poulain e seu louvor às pequenas alegrias da vida; as veias se dilatam e pulsam freneticamente quando escuto ou leio pessoas afirmarem que Cinema Paradiso é a maior homenagem ao cinema já feita.

Mas: Lanternas Vermelhas é um bom filme, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain não é ruim e Cinema Paradiso, embora ruim, é até tocante. Portanto, vamos esquecer os três. Vamos falar de Réquiem para um Sonho, que também se encaixa nesse grupo dos superestimados mas com a diferença de que aqui o caso é muito mais crítico, escandaloso e imperdoável.


Esse é o tal do Aronofsky.

Das duas uma: ou o saudosismo é uma canalhice, ou é uma ignorância. Pelo menos é o que pensam os otimistas de plantão, aqueles que por motivos desconhecidos tentam salvar e pôr acima de tudo a sua geração. Se sentimos um arrepio na espinha ao ouvir a palavra “contemporâneo”, este precisa ser de satisfação, não de repúdio. Mas eu afirmo e reitero, sem medo algum (ok, só um pouquinho): a arte está morrendo. Não é pessimismo, nem é rabugice. É lógica: a arte é vida; e tudo o que é vivo, morre. Porém, assim como os humanos possuem grande apego às suas vidas, a arte consegue caminhar aos trancos e barrancos. Em toda geração há um pequeno grupo (cada vez menor a cada transição) que acaba salvando sua época. Em Hollywood, por exemplo, há uma galerinha nova e boa que vem deixando bastante orgulhosa a terra do tio Sam (não tão nova: segunda metade dos anos 90 e começo do século XXI). Diretores como David Fincher, Todd Haynes, Richard Linklater, Paul Thomas Anderson, Alexander Payne, Wes Anderson, Sofia Coppola, Spike Jonze e David O. Russell provam que ainda se fazem bons filmes no esgoto mais podre do cinema.

Que hoje em dia existem diretores bons, todos sabem. Que existem escritores bons também. E músicos e álbuns. Quando evocamos o passado, não queremos invalidar todas as obras do nosso tempo. Quando dizemos que não se fazem mais filmes como antigamente não queremos tirar o mérito de belas obras como Adaptação. ou Os Excêntricos Tenenbaums. Falamos isso simplesmente para dar mais ênfase ao nosso julgamento de algo que nos é repulsivo. E se há os tolos que lamentam mortes de Bergmans e dizem que ninguém superará Fellini, e que a maior obra em prosa da literatura é Dom Quixote, e que samba de verdade mesmo só Cartola e Noel Rosa, há também os grandes precipitados que exaltam exacerbadamente os artistas do seu meio geográfico e temporal, fazendo a ingênua associação de “renovação” com “coisas novas”. Que ninguém supera Fellini é algo bastante discutível. Há, sem a menor dúvida, diretores melhores que ele. Um deles, com toda a certeza que Deus deu aos homens deste mundo, NÃO É Darren Aronofsky. Esse figuraça de nome esquisisto é, talvez, ao lado de Gus Van Sant, os dois piores pseudo-bons-diretores dessa geração do cinema dos EUA. Sabe aquelas idéias que os estrangeiros e até mesmo nós temos da Amazônia, Acre e região, de que tudo lá é só índios, rios e selvageria? Ou então nossa visão da Ásia Oriental, que parece ser composta somente de samurais e gueixas? Pois é exatamente o que Gus Van Sant faz com os adolescentes e jovens em geral nos seus filmes. O odioso estereótipo criado por este abominável diretor é motivo mais que suficiente (mas não o único) para lhe darmos uma tremenda surra. Retratos mais verossímeis e menos ofensivos como Juno vêm surgindo na praça para desmascarar o infeliz do Van Sant. Ainda não perdi as esperanças.

Gus Van Sant: bizarro.


Quando falamos bem de um artista, voltamos os olhos apenas para as suas obras decentes. Quando se diz que Almodóvar é um grande diretor, está-se considerando apenas filmes como Fale com ela e Tudo sobre minha mãe. Não se lembram de mediocridades como Volver, Ata-me, O Matador, etc, etc. Por que não o contrário? Eu penso que sim: é muito possível dizer que Darren Aronofsky é horrível sem ter assistido a todos os seus filmes. E se um ser humano concebe uma adaptação cinematográfica como Réquiem para um Sonho, ele já não estaria condenado para toda a vida? O livro homônimo eu não li, mas é ruim. Se for literatura, não presta; se for, jornalístico, é parcial; se for livro de memórias, é apelativo; mas com certeza deve ser algumas dúzias de vezes melhor que o filme.

(ATENÇÃO: a partir daqui o post contém spoilers)

Réquiem para um Sonho está para o cinema assim como Engenheiros do Hawaii está para a música brasileira. Também possui, como a banda gaúcha, seu pequeno círculo de fanáticos e relativa fama de público e crítica. Dividirei o post em tópicos, para me controlar e não sair digitando verbetes impublicáveis.

TÍTULO: Ruim demais. É o mesmo do livro (só de pensar que um filme desses veio de um romance...). Quer soar distinto, tem até certo sentido, porém superficial. O mais interessante é que a tradução é literal (o original é Requiem for a Dream). O segundo pior título que já vi em filmes (o primeiro é Coisas que você pode dizer só de olhar para ela, de Rodrigo García, tradução também literal).

ENREDO E ROTEIRO: Tramas paralelas de quatro pessoas que se dão muito mal por causa das drogas. A história é batida, mas não é isso que interessa: o problema é que as personagens não possuem a complexidade que um filme com essa proposta exige. Não existe nenhuma oscilação, nenhum ruído em seus espíritos (é tudo caricaturado, fixo). A narrativa, ao contrário do natural, não é labiríntica: é novelesca e previsível. A previsão mais irritante que podemos fazer é a da personagem de Jennifer Connelly: todo mundo sabe que a infeliz vai acabar sendo humilhada para conseguir mais droga, e essa humilhação não poderia ser outra senão sexual. O roteiro é umas dez vezes pior. O humor adolescente, a apelação pueril para o sexo, preconceitos implícitos, o preceito de que “quanto mais chocante melhor” e a tentativa de soar perturbador realmente “desconcertam” o espectador; mas se desconcertam alguma coisa, é apenas a barriga, que se contorce de tanto rir. Eis um diálogo:

– Sabe o que mais gosto nas garotas brancas? (NEGÃO TRAFICANTE)
– O quê? (Jennifer Connelly)
– Elas sabem chupar. As negras não chupam bem. (NEGÃO TRAFICANTE)

É preciso explicar: em certo momento os viciados estão sem dinheiro, e a mocinha, que é namorada do branquelo, lhe pede grana. Este, pressionado e desesperado, lhe dá o endereço de um Negão Monstruoso, o “Little John”, que possui muita droga, mas que não vende por dinheiro, e sim por mulheres. Detalhe: no início do filme, o negão amigo do branquelo comentou por alto a existência desse Negão Traficante “viciado em xota”. Incrível, não? Vicissitudes convenientes para um desenrolar engenhoso ou imprevisível é uma das piores coisas que existe nos roteiros desses últimos tempos.

Fotografia altamente lugar-comum, considerada por muitos portadora de uma "beleza plástica inegável".


ATUAÇÕES: Todo mundo sabe que a ética e o escrúpulo não existem mais nos dias de hoje. Mas, ainda assim, dói o coração ver atores aceitarem alguns papéis em certos tipos de filme. Jared Leto é o pior de todos. Nunca pensei que um dia poria algum ator abaixo de Jude Law. O fenomenal Marlon Wayans, estrela, entre outros, de As branquelas e Todo Mundo em Pânico, deve ter se exilado nas primeiras semanas de exibição, para não correr o risco de ser assassinado. Ellen Burstyn, a mãe de Leto, que chegou a ser nomeada ao Oscar, é a prova maior de que a Síndrome dos Superestimados chega até mesmo nos velhotes da Academia. Devo dizer, entretanto, que sua atuação é a única que não suscita o desejo de matar. A belíssima Jennifer Connelly e seu inegável valor cênico – valor extremamente baixo, diga-se de passagem – nem mesmo está bonita; nem mesmo a estética de sua feiúra de drogada é bonita.

DIREÇÃO, CÂMERA: Não vou discorrer aqui sobre a direção de Darren Aronofsky senão acabarei lançando um livro intitulado “Como não fazer filmes”. Se alguém se atrever a chamá-lo de original, mandarei assistir Shinya Tsukamoto para calar a boca. Tem uma cena em que Marlon Wayans, o negão amigo do branquelo, faz sexo com uma mulher qualquer (ainda hoje me é inexplicável essa cena). O ângulo da câmera os foca por cima e vai girando e subindo, enquanto rola o entra-e-sai em câmera lenta. Nem em clipes de Hip-hop estadunidense vi coisa parecida.

EDIÇÃO, MONTAGEM: É preciso entender que ousadia nem sempre é sinônimo de coisa boa. E a ousadia da montagem e da edição desse filme, ao invés de nos deixar empolgados e tensos (com certeza esse era o propósito), provoca uma verdadeira dor de cabeça que, se houvesse justiça no mundo, poderia nos render uma boa grana, pois poderíamos processar a produtora responsável pelos danos de efeito físico e moral causados pelo longa. Um último detalhe: no programa de TV o qual a mãe do branquelo é obcecada, o apresentador é Christopher McDonald, o melhor ator do filme. O cara é engraçado demais.

Contabilizando:

PONTOS POSITIVOS:
– Christopher McDonald.

PONTOS NEGATIVOS:
– Todo o resto.

Cena do filme FONTE DA VIDA.


O último filme de Aronofsky, Fonte da Vida, é, no mínimo, bisonho. Embora seja menos constrangedor que Requiém, é muito mais infantil. O mérito que Aronofsky recebeu por tal obra é realmente insólito e previsível: peguemos um papel e escrevamos uma história moderna baseada em alguma lenda antiga; relativizemos tudo; imaginemos uma transcendência; passemos por cima das hipérboles; gastemos milhões de dólares e façamos uma produção grandiosa cheia de cores e luzes brancas; melodramas; amor; vida; morte; está aí o filme - até eu poderia tê-lo dirigido. Os defensores do diretor ainda se sentem satisfeitos pelo fato de Fonte da Vida ser polarizado, isto é, admirado por uns e vaiado por tantos outros. O interessante é que Aronofsky esperou anos para a realização desse projeto. Uma pena.

A única proeza realizada por Darren Aronofsky no meio cinematográfico foi ter se acasalado com Rachel Weisz.


O longa-metragem que eu não assisti é Pi – desse eu saio correndo. Só de olhar o nome já sei que vem bomba: o título é de fato o símbolo matemático “Pi”; com certeza o filme tem alguma “sacada” inteligente (leia-se adolescente) bem típica.

Não assistam Darren Aronofsky. Cada vez que tentarem lhe emprestar um filme dele e você recusar, será como ter assistido a 5 bons filmes. Eu garanto; juro por todas as moedas que já jogaram neste fundo de poço.

2 comentários:

Marcelo Oliveira disse...

Daniel,

Percebo que você não gosta do filme e tem coisas interessantes a falar sobre esse seu desgosto. Mas, assinalo que você precisa de maior embasamento teórico pra criticar direito. Você fala de edição/montagem, fotografia e roteiro batidos, só que te pergunto o que você realmente sabe sobre essas coisas (e faço isso com honestidade, não em tom hostil). Você fala sobre a caricatura do roteiro, por exemplo, mas não cita uma parte real do roteiro pra analisar isso. Aliado a isso, esquece que a concepção de arte como tema é uma idéia batida, importa a realização. As montagens que lembram videoclipe, por exemplo, sugerem ritmo, recursividade e tensão, e mesmo que já tenham sido feitas por um diretor anterior, é bem realizada por Aronofsky. Acho, sinceramente, que você não soube analisar as partes do filme. Ele tem um quê moralista e caricato e acho que se propôs a isso, realmente. Não pude entender, de verdade, sua implicação com o título. Não consegui encontrar argumentos no que você quis dizer.

Nunca assisti Pi, embora me digam ser muito bom, mas já vi A Fonte da Vida. É um filme meio forçado, mas com belas cenas, boas cores e não acho negativo se embalar apenas por essas características - ah, e não é qualquer um que filma com esses conhecimentos. Veja Frenesi, de Hitchcock: tem um tema simples e batido, mas as músicas, a câmera, etc., que tornam a película interessante.

Caso nunca tenha lido, te aconselho pegar "Linguagem Cinematográfica" de Marcel Martin. Lá, você verá que pra fazer cinema se considera mais aspectos do que esses que você está salientando. Aí, quero ver embasadas suas críticas - não abandone seu ponto de vista.

Abraço

MOEDOTECA disse...

Caro Marcelo Oliveira,

Antes de mais nada, agradeço pelo comentário. Vamos ver se consigo lhe responder a partir do que você disse. Essa forma me parece mais justa e objetiva.

Primeiramente devo salientar que críticas em geral, mesmo as mais neutras, partem de concepções pessoais. Eu, neste caso, não procurei disfarçar nem um pouco. Discorri sobre o longa dando ênfase apenas àquilo que eu considero essencial num bom filme; e tal “consideração” pode ser, naturalmente, bem discrepante - e parece que é - da(s) sua(s).

“assinalo que você precisa de maior embasamento teórico pra criticar direito”. Esta frase-feita geralmente é utilizada quando queremos rebater uma crítica que não concordamos. Eu mesmo já a usei não poucas vezes. Portanto, passemos adiante.

“Você fala de edição/montagem, fotografia e roteiro batidos”. Veja bem: a única coisa que eu afirmei ser “batida” foi a história, o argumento (que é diferente do roteiro) e logo em seguida, se você reparar, eu disse que isso não interessa; afinal, uma história batida ou idiota não interfere tanto numa obra quando outras qualidades estéticas são sobressalentes. Como bem disse certa vez um sábio, a própria história de um Hamlet não tem nada de mais.

“Você fala sobre a caricatura do roteiro, por exemplo, mas não cita uma parte real do roteiro pra analisar isso”. Um roteiro não é formado apenas de suas falas e passagens. Ele também é formado pelo não-dito e pelo não-mostrado (e pelas conseqüências que tais revelações ou ocultações desencadearão); perceba que a construção de um roteiro, ou melhor, de um BOM roteiro é bem mais complexa do que se imagina. Mais à frente você disse que Aronofsky sabia que estava sendo moralista e caricato; mas o fato do artista confessar sua ignorância não o torna menos ignorante, não? Peguemos o já resenhado no blog "Só Deus Sabe": o hediondo filme parece uma novela mexicana; em certo trecho, uma personagem afirma justamente isso – mas o filme não vai ser menos novelesco mexicanamente por causa disso, não? Assim como em Kim Ki-Duk, onde a pseudo-poesia se faz presente, quando ele confessa tal demérito, seu filme nem por isso vai deixar de ser medíocre. É o mesmo caso. Quando falo do “caricaturado”, alimento o uso de tal adjetivo com o seguinte, o “fixo”. A personagem é má construída, pois, como um ser humano normal (ou, nos casos, psicologicamente perturbado), ele deveria passar por várias reviravoltas em seu espírito, se questionar acerca disso ou daquilo, e, como dependente químico, ser às vezes compreensivo, às vezes selvagem, ou cego, ou perspicaz, ou lerdo, ou magnânimo, ou egoísta, ou egocêntrico... enfim! Oscilar, oscilar sempre! Ser um Raskolnikov da vida! Pegue Ewan McGregor em Trainspotting. Pegue Jon Voight e Dustin Hoffman, em Perdidos na Noite, um filme que trata veladamente das drogas e do homossexualismo ainda o consegue fazer com maestria, num tempo em que a censura ainda era rigorosa e cheia de tabus! A proposta de Aronofsky não é de soar caricato. Ele está sendo sério e quer passar uma mensagem. Não é uma comédia como Medo e Delírio (que, na sua proposta, é caricato e bem mais construído que esse). É drama. Os “heróis” parecem uma bula de remédio: o branco quer drogas mas hesita; o negão, um negro, o faz seguir em frente, incitando-o a fazer o que é supostamente errado e levando-o à ruína. A mulher branca só quer drogas e nada mais, não quer trabalhar, e apela para o sexo quando necessário. Quantos preconceitos e lugares-comuns você viu aí? Se eles fossem mostrados por outro viés, mas não - são tão inverossímeis quanto os adolescentes do seriado de TV Malhação. Inverossimilhança é uma palavra relativa. Só pode ser considerada um erro quando o autor quer soar o seu contrário, e é o caso de Aronofsky. Até porque na hora de mostrar os efeitos das drogas ele é bastante realista, mas no desenrolar da história não. Percebe? Quem não fica chocado com o braço deteriorado de Jared Leto? Quem não se desconcerta com a paranóia de Elen Burstyn? Aí está o deslize, a apelação e o sensacionalismo de Aronofsky: se usar drogas, vai acabar desse jeito. Mas esse não é um documentário da BBC; é um filme, uma obra por muitos considerada arte, alta arte.

Tudo o que estou dizendo aqui eu já falei de certa forma no post. Em certo momento eu afirmei que “Vicissitudes convenientes para um desenrolar engenhoso ou imprevisível é uma das piores coisas que existe nos roteiros desses últimos tempos.” E isso é o pior da história, pior até mesmo que a construção das personagens. Volto a falar da questão da verossimilhança: o filme em questão tem cunho realista, mas só no nome; portanto, precisa de uma lógica específica. Assim como em qualquer conto fantástico você também encontrará uma lógica, mas não aquela a qual estamos acostumados. Aronofsky é, em outras palavras (e isso se confirma com seu Fonte da Vida), um pobre e incapaz visionário.

“As montagens que lembram videoclipe, por exemplo, sugerem ritmo, recursividade e tensão”. De fato, sugerem; mas essa sugestão pode OU NÃO resultar numa coisa boa. O filme Shara, de Naomi Kawase, é maravilhoso e bastante sensível, mas há uma cena em que um ruído insuportável toma conta do ambiente local, atigindo um volume simplesmente intragável para nossos ouvidos; e a diretora sustenta tal barulho por intermináveis minutos. Isso simplesmente não foi bom, nós nos sentimos mal fisiologicamente, e, a não ser que sejamos masoquistas, tal idéia poderia muito bem ser descartada ou utilizada por um período bem mais breve de tempo. Certamente que este foi um recurso que “sugere” tensão, alienação, perseverança ou o escambal, mas não funcionou. Qualquer filme de Tinto Brass também possui vários recursos que sugerem várias coisas mas que em grande parte não funcionam. Até mesmo nos grandes há “ritmo, recursividade e tensão” que não presta. Qualquer um: Bergman, Fellini, Bresson, Tarkovsky ou qualquer outro gigante aí. No filme A Aventura, de Antonioni, por sua vez, em certo trecho a câmera decide mostrar a visão de uma mulher que está num barco em movimento. Então, a câmera começa a se balançar, como se fosse as próprias águas do mar; um recurso que “sugere” muitas coisas (só assistindo ao filme para uma total compreensão) e que foi muito bem utilizado. E o que eu tinha pra dizer mais a respeito do "Requiem" eu já disse lá no post(embora rasteiramente, devo confessar).

“A Fonte da Vida é um filme meio forçado, mas com belas cenas, boas cores”. Uma boa cor numa obra de arte não precisa ser necessariamente límpida e utilizada de forma pomposa. Eu particularmente acho que se Aronofsky trocasse todo aquele dourado berrante por rosa-shock daria no mesmo. É preciso entender que superabundância de cores não quer dizer nada: se fosse assim, Almodovar seria o melhor diretor do mundo no quesito Fotografia. A cor é algo muito mais complexo e simbólico. A falta de certa cor também diz muito, além da simpatia de uma cor com outra. Veja O Samurai, de Jean-Pierre Melville, ou Chinatown de Polanski: são ambos filmes semi-noirs em cores: como, então, assimilar a natureza obscura do preto-e-branco dos noirs genuínos? Simples: trabalhando as cores. O laranja-acizentado toma conta do ambiente, e não deixa mais nenhuma cor se sobressair. A trilogia das cores de Kielowski, onde cada filme representa uma cor da bandeira da França, se fosse realizada por um diretor medíocre, e até por Almodovar, seria azul/branco/vermelho pra tudo quanto é lado, uma orgia de cores desconfortável e infinita. Mas o genial diretor polonês, que não por acaso co-assina a direção de fotografia, optou pela discrição: as cores aparecem, sim, de forma nítida, mas são discretas e delicadas; e, para fechar a obra com perfeita harmonia, todo o filme, dos diálogos aos personagens, é discreto e delicado. Eis um projeto bem trabalhado. Eis uma palavra que certamente jamais associaremos a Aronofsky: harmonia.

“te aconselho pegar ‘Linguagem Cinematográfica’ de Marcel Martin”. Essa frase se afigura no mesmo caso da primeira, a “assinalo que você precisa de maior embasamento teórico pra criticar direito”: um grande jargão dos rebatedores de críticas que são contrárias às suas que é extremamente desnecessário e que eu posso muito bem fazer aqui também: já leu algum livro de Pauline Kael? David Thomson? Danny Peary? André Bazin? François Truffaut? Peter Bogdanovich? Martin Scorsese? Ismail Xavier? Antonio Moniz Vianna? O próprio Glauber? Costuma ler as críticas (não muito boas) de Celso Sabadin? Já leu alguma edição do Cahiers Du Cinema? Alguma entrevista com Hitchcock ou coisa parecida? Perceba aonde quero chegar: na inutilidade de tal tática.

Só me resta agradecer novamente, para concluir, o seu comentário, que despertou uma interessante discussão. Eu sei que muita gente gosta de Requiem, principalmente os jovens, por ele tratar de temas tabus com suposta irreverência e carnalidade. Provavelmente um grande fã do filme é também admirador de um Bukowski. Mas vamos deixar os estereótipos de lado. Quero apenas salientar em PS: o filme Requiem, por incrivel que pareça, tem, sim, cenas boas, além das já citadas com McDonald: quando, por exemplo, o jovem Leto visita sua mãe depois de certo tempo em que esta já está transfigurada e ele aparentemente está no bom caminho. Essa é a melhor cena do filme e, porque não dizer, muito bem feita.

Ass: Daniel